Jornal da Madeira / Região / 2011-01-30
Reportagem
«Esperam de nós um papel dócil»
Rubina Leal entrou para a política aos 16 anos, quando se inscreveu na JSD.
O impulso para a política nasceu, contudo, muito antes, fruto das vivências familiares. Rubina Leal é filha do antigo regedor de São Gonçalo, João Abel Caldeira Leal, e habituou-se, desde muito cedo, a ver as pessoas baterem à porta da sua casa para que o pai lhes resolvesse os problemas.
De regedor João Abel Leal passou a presidente da Junta de Freguesia, com a chegada do 25 de Abril. A filha acompanhava o pai nas campanhas eleitorais e nas idas à Junta de Freguesia e aos poucos foi alimentando o interesse pela política.
Aos 16 anos, decidiu inscrever-se na JSD, mas dois anos depois foi estudar Sociologia para Lisboa, o que a , manteve afastada até aos 22 anos.
Conforme os anos passaram, Rubina Leal transitou da JSD para o PSD, mas sem fazer parte de qualquer órgão do partido. Até que há quatro anos foi convidada para integrar a Comissão Política Regional do partido. Foi também por esta altura que se deu a sua eleição para a vereação da Câmara Municipal do Funchal, cargo que continua a exercer.
Ao longo deste percurso, Rubina Leal nunca viu o mundo da política como um espaço para os homens e um para as mulheres. «Não há política no feminino, assim como também não há política no masculino», disse, salientando que o desempenho profissional das pessoas «não é uma questão de género» mas de «competência e motivação» e que «têm de ser as próprias mulheres» a criarem os espaços de oportunidade.
Não obstante, reconhece que as «percepções sociais das pessoas sobre a governância no feminino são patentes na nossa sociedade», sendo sempre esperado da mulher «um papel dócil» e «dialogante». A sociedade espera também que a mulher exiba «uma apurada sensibilidade social» e «muitas vezes mandar é um verbo que nem sempre se conjuga no feminino», visto que os homens não esperam das mulheres o «rigor e a rigidez» mas outros atributos.
Rubina Leal desmistifica, por outro lado, a ideia de que mais mulheres em lugares de decisão significa mais políticas promotoras de igualdade de género.
«Não podemos cair no erro de acreditar em determinismos do género no exercício do poder», declarou, defendendo antes uma actuação «ao nível dos conteúdos, dos programas e das estratégias» que são apresentados às comunidades.
A vereadora reconhece, contudo, que uma mulher casada e com filhos só chega aos lugares de «decisão política» depois dos 40 anos, enquanto aos homens chega essa oportunidade muito mais cedo.
Além disso, historicamente o estado civil influencia a carreira das mulheres, afirma, dizendo que chegavam aos cargos de decisão as «viúvas, divorciadas ou solteiras», como se verificou com a única primeira-ministro portuguesa Maria de Lurdes Pintasilgo.
Apesar de viver numa sociedade «machista», como a própria classifica, Rubina Leal confessa nunca se ter sentido «hostilizada» na sua actuação por ser mulher. «Não sinto essas atitudes daqueles que me rodeiam», garantiu.
A vereadora considera também que o poder autárquico é o local ideal para as mulheres entrarem na política, «porque para saber fazer é preciso ver, sentir e experienciar». E, neste sentido, «o poder autárquico é a melhor escola de exercício de política que podemos ter». Rubina Leal não fecha, contudo, a porta a novos desafios.
Posição semelhante tem a sua colega autarca na Câmara de Santana. Odília Garcês está na política há cerca de uma década e não pára de subir na carreira. A actual vereadora da Câmara Municipal de Santana com os pelouros do Ambiente, Agricultura e Turismo surgiu na política no final de 2000, quando se inscreveu na JSD.
Poucos meses depois, logo em Janeiro de 2001, concorreu e venceu as eleições para o Núcleo de Santana da “Jota”, exercendo o mandato durante dois anos. «Cumpri o programa a que me tinha proposto na totalidade», garante.
O presidente da JSD, Jaime Filipe Ramos, convidou-a depois para ingressar a Comissão Política Regional da JSD, onde esteve mais dois anos.
Quando a idade não lhe permitiu continuar na organização juvenil, Odília Garcês formou uma lista e concorreu à Comissão Política do PSD, em Santana, acabando por vencer. Está, neste momento, no terceiro mandato à frente da concelhia de Santana.
Paralelamente, Odília Garcês fez um percurso ao nível autárquico, sendo eleita para a Assembleia de Freguesia de Santana, em 2001, e para a Assembleia Municipal, em 2005. Quatro anos mais tarde, foi convidada para pertencer ao elenco da Câmara Municipal chefiada por Rui Moisés. A vitória do PSD nas Autárquicas em 2009 permitiram-lhe dar um novo passo na sua carreira política.
De salto em salto, Odília Garcês foi crescendo na política e, se no início não notava, conforme a ascensão foi acontecendo foi sentido os efeitos de uma «sociedade ainda um pouco fechada».
Apesar de dizer que não se tratam de «casos de machismo extremo», Odília Garcês já sentiu «as resistências» sobre as suas capacidades. «Sinto mais exigências em relação a mim do que em relação aos homens», disse, achando que no contexto actual o «ataque é mais direccionado para uma mulher do que para um homem».
“Paridade” aumenta presença feminina
O primeiro Estudo sobre a Evolução da Participação Política da Mulher na Região Autónoma da Madeira, feito pela directora regional da Fundação da Juventude, Sara André, reporta-se ao período compreendido entre 2000 e 2010.
O estudo mostra «assimetrias» em matéria de igualdade de oportunidades. Apesar de haver muito mais mulheres na administração regional, a participação política das mulheres, a nível governativo, é muito diminuta e fraca nos altos cargos públicos.
No campo da eleição política, há cada vez mais mulheres no parlamento, mas é no poder autárquico que têm maior expressão, representando em 2009 cerca de 30% dos eleitos, muito devido à lei da paridade de 2006.
Joana Coelho sente-se uma privilegiada
Joana Justa Rosário Coelho foi a primeira mulher a chegar à vereação da Câmara Municipal do Porto Santo e a primeira representante portossantense do sexo feminino na Assembleia Legislativa Regional.
A entrada para a política aconteceu logo após a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, quando foi nomeada pela comissão instaladora para ocupar o lugar de vereadora.
De então para cá, a primeira mulher política da ilha dourada fez um longo percurso, exercendo funções de deputada na Assembleia Legislativa regional (1992-1996) e assumindo a presidência da Assembleia Municipal (desde 2001 até ao momento).
Hoje, é uma das personalidades mais conhecidas e respeitadas no Porto Santo, e, a esta distância, recorda-se com um sorriso nos lábios de quando, logo após o 25 de Abril, a chamaram para a política.
«Foi um convite que surgiu e acho que tínhamos de ajudar, de viver e aproveitar o momento», disse, admitindo que no princípio ainda pôs «umas certas reservas sobre se aceitava, ou não».
Ao ser a primeira vereadora na Câmara do Porto Santo e a primeira mulher a representar a ilha no parlamento regional, Joana Coelho foi precursora.
Em casa diziam-lhe: «tem cuidado», «vê lá como é que isso vai acontecer, é que depois existem dissabores».
Mas Joana Coelho garante que nunca se sentiu «rejeitada ou marginalizada», quer pelos colegas políticos, quer ao nível familiar. Na verdade, até se acha uma «privilegiada» por estar na política. E deve-o, especialmente, à profissão que abraçou.
«A minha profissão (professora) quase que me abria todas as portas. É que, antigamente, as professoras eram mais do que são actualmente. Eram muito aceites, muito queridas, muito respeitadas», recorda.
A contar já mais de 30 anos de actividade política, Joana Coelho diz ter amizades «em todos os quadros políticos».
Às mulheres que começam agora a dar os primeiros passos na política, a presidente da Assembleia Municipal do Porto Santo diz-lhes que o poder autárquico poderá ser a melhor opção, porque é a este nível que os eleitos estão mais próximos dos eleitores e, deste modo, «têm mais possibilidades de ver as necessidades que surgem diariamente».
«Não é o bicho de sete cabeças que às vezes dizem»
Sandra Teixeira cumpre o segundo mandato à frente da Junta de Freguesia do Paul do Mar. Foi o actual presidente da Câmara Municipal da Ponta do Sol, Rui Marques, quem a convidou para integrar as listas do PSD, em 2005, altura em que o próprio Rui Marques também se estreava na política. «Não estava nada à espera, porque achava que não iria alcançar tal objectivo, mas depois em conversa com o dr. Rui Marques lá ele me conseguiu convencer e aceitei», conta Sandra Teixeira, que reconhece que nos primeiros dias foi um «pouco complicado». A circunstância de ser assistente social facilitou, no entanto, o contacto e as pessoas – muitas já a conheciam - acabaram por «confiar» no seu trabalho. Sandra Teixeira estreou-se assim na vida autárquica em 2005, embora a política não fosse tema novo para si. Sandra foi das primeiras mulheres na Madalena do Mar a dedicar-se à política. E tudo começou na JSD local. Ao longo dos anos, preocupou-se em inverter esta situação, chamando aos poucos outras mulheres para a política. Fê-lo quando estava na JSD mas também já depois de assumir a presidência da Junta de Freguesia. A adesão de outras mulheres fá-la dizer que o seu esforço tem relevado «algum sucesso». Fruto desse trabalho, actualmente a importância da mulher na política local já é mais reconhecida. Às que sentem o apelo mas ainda hesitam, Sandra Teixeira diz-lhes para não recearem uma carreira política, porque «não é o bicho de sete cabeças que às vezes costumam frisar». Apesar de ser dos primeiros rostos femininos na política da Madalena do Mar, a actual presidente da Junta garante que nunca foi marginalizada pelos demais políticos pela circunstância de ser mulher.
Alberto Pita
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